Câmara aprova emenda que proíbe presos provisórios de votar

Câmara aprova emenda que proíbe presos provisórios de votar
por Kallman Cipriano nov, 20 2025

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2024, uma emenda que tira o direito de voto de pessoas presas provisoriamente — um movimento que, embora tenha impacto eleitoral quase imperceptível, desencadeou um debate profundo sobre justiça, presunção de inocência e simbologia política. A mudança, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), foi aprovada por 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção, em regime de urgência no plenário em Brasília. Agora, o texto segue para o Senado Federal, onde enfrentará outro teste decisivo antes de virar lei.

Um direito que a Constituição garante — e que agora querem tirar

Desde 1988, a Constituição Federal brasileira garante que apenas quem foi condenado com sentença transitada em julgado perde o direito de votar. Presos provisórios — aqueles que ainda não foram julgados ou que têm processos em andamento — mantêm seu título eleitoral. Isso é baseado em um princípio fundamental: ninguém é culpado até que se prove o contrário. Em 2024, mais de 6.000 pessoas nessa situação votaram nas eleições municipais. Na eleição presidencial de 2022, cerca de 11.363 deles compareceram às urnas em seções especiais dentro de presídios. Para se ter ideia, isso representa menos de 0,02% do total de votos válidos no segundo turno, onde Lula venceu Bolsonaro por cerca de 1,9 milhão de votos.

"Preso não pode votar. É um contrassenso, chega a ser ridículo"

Van Hattem não escondeu seu posicionamento. Durante o debate, ele chamou o voto de presos provisórios de "regalia" e afirmou que "não faz sentido o cidadão estar afastado da sociedade, mas poder decidir os rumos da política". A emenda que ele impulsionou altera dois artigos do Código Eleitoral: agora, qualquer pessoa em prisão provisória terá seu título cancelado automaticamente, e não poderá se alistar. A justificativa legal é que a restrição de liberdade, por si só, impõe um "limite fático e moral da cidadania" — uma ideia que juristas dizem ser perigosa, porque confunde punição com privação de direitos antes da condenação.

O voto "inconstitucional" de Lindbergh Farias

O mais surpreendente da votação foi o voto do líder do Partido dos Trabalhadores (PT), Lindbergh Farias (RJ). Apesar de considerar a medida inconstitucional, ele votou a favor — e não por convicção, mas por estratégia. "Vamos votar 'sim' sabendo que é inconstitucional", disse ele, com ironia. "Parece que o Partido Novo já abandonou Bolsonaro. Agora quer tirar o voto dele. Hoje, quem tem trânsito em julgado não vota. Agora, querem antecipar para a prisão provisória." A observação foi um golpe direto: Farias apontou que, se a emenda for aprovada, pode afetar eleitores ligados a figuras políticas que estão sob investigação — e não apenas criminosos comuns.

Quem se opôs — e por quê

Quem se opôs — e por quê

A oposição aberta veio do Psol, da Rede Sustentabilidade e de partidos da base governista. Eles argumentaram que a medida não combate crime, mas sim deslegitima a democracia ao negar direitos a quem ainda não foi condenado. "É um retrocesso simbólico que alimenta o discurso de ódio contra os pobres e os negros, que compõem 77% da população prisional brasileira", disse uma fonte interna do Psol. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por sua vez, já alertou que a mudança geraria caos operacional: a instalação de seções em 1.700 unidades prisionais em 26 estados e no DF custa cerca de R$ 18 milhões por eleição — um valor que, segundo Van Hattem, agora seria "desnecessário".

O custo real — e o que ninguém está falando

O argumento de que a medida economiza recursos é questionado por especialistas. O TSE já tem infraestrutura montada há décadas. A retirada das seções não reduziria gastos significativos, porque os mesários, veículos e segurança já estão contratados para outras funções. O que realmente muda é o simbolismo: ao proibir o voto de presos provisórios, o Congresso está enviando uma mensagem clara — e política — de que o sistema penal deve ser mais rígido, mesmo que isso vá contra a Constituição. "É um gesto eleitoral, não jurídico", diz a professora de direito constitucional Carla Mendes, da Universidade de São Paulo. "Eles não estão resolvendo crime organizado. Estão tentando parecer duros com o crime. É teatro legislativo." Qual o próximo passo?

Qual o próximo passo?

No Senado Federal, a emenda enfrentará resistência de senadores ligados aos direitos humanos e à justiça constitucional. Ainda assim, o clima político favorece a aprovação. O governo federal, que tem 17 senadores na base, ainda não se posicionou oficialmente. Mas o fato de o relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP), ter incorporado a emenda de Van Hattem ao seu substitutivo sugere que há espaço para a mudança. Se aprovada, a lei entrará em vigor após a publicação — e o cancelamento dos títulos será automático, sem necessidade de julgamento individual.

Por que isso importa — mesmo com poucos votos

Ninguém acredita que 12 mil votos de presos provisórios decidirão uma eleição. Mas isso não é o ponto. O que está em jogo é a ideia de que a cidadania pode ser retirada antes da condenação. Isso abre a porta para outras restrições: e se, no futuro, alguém for impedido de votar por estar em liberdade condicional? Ou por ter sido acusado, mas não condenado? A democracia brasileira se baseia na presunção de inocência. Tirar esse direito por razões políticas é como derrubar um pilar — mesmo que pareça pequeno.

Frequently Asked Questions

Quem perde o direito de votar com essa nova emenda?

Qualquer pessoa que esteja em prisão provisória — ou seja, presa enquanto aguarda julgamento, sem condenação definitiva — terá seu título eleitoral cancelado automaticamente. Isso inclui pessoas acusadas de crimes leves ou graves, desde que estejam detidas. Já os condenados com sentença transitada em julgado já não votavam antes da emenda.

Essa mudança é constitucional?

Muitos juristas afirmam que não. A Constituição Federal de 1988 garante o voto a todos os cidadãos, exceto os condenados com sentença final. A emenda tenta criar um novo critério — a prisão provisória — que não está previsto na Carta Magna. Se aprovada, provavelmente será contestada no Supremo Tribunal Federal.

Por que o PT votou a favor de algo que considera inconstitucional?

Lindbergh Farias, líder do PT, admitiu que votou "sabendo que é inconstitucional". A estratégia era política: evitar que a emenda fosse usada como arma contra eleitores ligados a Lula, que também têm aliados presos provisoriamente. Votar "não" poderia ser interpretado como defesa de criminosos, enquanto votar "sim" neutraliza o ataque e mantém o controle narrativo.

Quantos presos provisórios votaram nas últimas eleições?

No pleito presidencial de 2022, cerca de 12.903 presos provisórios estavam aptos a votar, e 11.363 compareceram às urnas. Nas eleições municipais de 2024, foram mais de 6.000. Esses números representam menos de 0,02% do eleitorado total, que supera 150 milhões de pessoas. O impacto prático é mínimo, mas o simbolismo é enorme.

O que muda na prática para os presídios?

O Tribunal Superior Eleitoral deixará de instalar seções eleitorais em unidades prisionais, economizando cerca de R$ 18 milhões por eleição. Mas isso não significa redução de custos operacionais: os mesários e segurança ainda serão necessários para outras funções. O que muda é o foco: a Justiça Eleitoral deixará de priorizar o voto em presídios, o que pode ser interpretado como abandono de direitos civis.

A emenda afeta apenas presos provisórios, ou também condenados?

A emenda afeta ambos: presos provisórios e condenados. Mas os condenados já não tinham direito a votar desde 1988. O que muda é que agora, mesmo sem condenação, a simples prisão provisória é suficiente para cancelar o título. Isso cria um novo critério de exclusão política, baseado na detenção, não na culpa.